“No skate e fora dele, muitos proclamam ter um ‘método’, mas não conseguem explicar passos, validar resultados ou permitir reprodução. Método é rigor, não retórica. Sem clareza, teste e lógica, o que sobra não é método — é discurso vazio.”
Se alguém hoje diz “sou criador do meu método” e não consegue explicitar os passos, os critérios de validação e os resultados concretos reproduzíveis, está apenas usando palavras bonitas. Descartes já avisou há quase 400 anos: o discurso é fácil; o método é que é difícil.
No cenário do Skate brasileiro, há casos e mais casos de pessoas que se autoproclamam criadores de métodos, e não fazem a menor ideia sobre o que é método, e muito menos metodologia.
E há aqui um agravante que precisa ser exposto sem anestesia: muitos confundem vivência com método, repertório pessoal com sistematização e experiência empírica com universalidade. A pessoa anda(andou) bem — e acredita que isso, por si só, já se transforma em um “método”. Não transforma. Vivência é matéria-prima. Método é produto formalizado, explicitado, ensinado, validado e replicável.
O que é método?
Método (do grego methodos = “caminho para chegar a um fim”) é um caminho ordenado, sistemático e justificável que alguém segue para alcançar um objetivo, especialmente o conhecimento verdadeiro ou a solução de um problema.
Características essenciais de um método de verdade:
É explícito (você consegue descrevê-lo passo a passo)
É reprodutível (outra pessoa pode seguir os mesmos passos e chegar a resultados semelhantes)
Tem critérios claros de validação (como saber se deu certo ou errado)
É **falsificável ou pelo menos verificável
Normalmente é economico (evita rodeios desnecessários)
Exemplos reais de métodos:
Método científico (observação > hipótese > experimentação > análise > conclusão)
Método cartesiano (dúvida > evidência > enumeração > revisão)
Método dedutivo, indutivo, dialético, fenomenológico etc.
Dizer apenas “tenho meu próprio método” sem nunca explicitar esses passos é o mesmo que dizer “tenho um caminho secreto até a verdade, mas não vou te mostrar o mapa”. Palavras vazias.
Metodologia é o estudo dos métodos: a reflexão sobre por que aquele caminho foi escolhido, quais são suas vantagens, limitações, pressupostos e em que tipos de problema ele funciona.
Ou seja:
Método = a receita
Metodologia = o livro de culinária que explica por que aquela receita funciona, em que fogão, com que tipo de ingrediente etc.
Quem realmente criou um método normalmente escreve (ou pelo menos consegue explicar de forma completa, mensurável, com testes verificáveis, com mapa organizacional, com sistemas de avaliação, como nomes próprios) uma metodologia que o sustenta.
O título completo é: Discurso do método para bem conduzir a própria razão e buscar a verdade nas ciências.
É uma das obras mais importantes da filosofia moderna exatamente porque Descartes faz o que quase ninguém fazia na época (e muitos ainda não fazem hoje): ele não apenas usa um método, ele expõe e justifica o método que usou.
Os 4 preceitos famosos do método cartesiano (Parte II da obra):
Não aceitar jamais coisa alguma como verdadeira se não a reconhecesse evidentemente como tal (princípio da evidência).
Dividir cada uma das dificuldades em tantas parcelas quanto possível (análise).
Conduzir por ordem os pensamentos, começando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, para subir pouco a pouco até o conhecimento dos mais compostos (síntese e ordem).
Fazer enumerações tão completas e revisões tão gerais que se tivesse a certeza de nada ter omitido (controle e revisão).
Além disso, Descartes começa o livro contando sua história intelectual e explicando por que rejeitou os métodos escolásticos da época. Ele pratica a dúvida metódica (duvidar de tudo que possa ser duvidado) para chegar a algo indubitável: o famoso “Penso, logo sou” (Cogito ergo sum).
Ou seja: Descartes não apenas disse “tenho um método”. Ele:
Contou a origem do método
Explicou os 4 passos
Aplicou-o na frente do leitor (na física, na matemática, na metafísica)
Mostrou os resultados (óptica, geometria analítica, metafísica)
Isso é o oposto de quem apenas se autoproclama “criador de método” sem nunca mostrar a mercadoria.
Qualquer um pode falar “tenho método próprio”.
Poucos podem fazer o que Descartes fez: colocar o método na mesa, passo a passo, justificá-lo e demonstrar que ele produz conhecimento sólido e novo.
O problema no skate brasileiro (e em muitas outras áreas) é que proliferam criadores de “proto-métodos”: rotinas transformadas em rituais, experiências pessoais transformadas em dogmas, jargões transformados em doutrina. É o método que não ousa dizer seu nome porque, se for explicitado, revela que não há estrutura, não há lógica, não há replicabilidade, não há validação.
Se alguém hoje diz “sou criador do meu método” e não consegue explicitar os passos, os critérios de validação e os resultados concretos reproduzíveis, está apenas usando palavras bonitas. Descartes já avisou há quase 400 anos: o discurso é fácil; o método é que é difícil.
E o skate — que exige responsabilidade pedagógica, técnica e ética — não tem mais espaço para discursos.